quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Nossa idéia anterior foi a de elaborar um " manual do tradicionalismo tropeiro".Recuamos dessa pretensão de enfrentar sozinho uma tarefa tão complexa e abrangente, que importa na participação de todos os tradicionalistas do Brasil. Nossa contribuição se limitará a transmitir algumas dicas de nossa experiência pessoal e aquelas herdadas do genial Barbosa Lessa..Nosso manual futuramente surgirá como uma obra coletiva, como somatória das diversas contribuições.

Tradicionalismo tropeiro no Brasil ?
 Em maio de 2013, achando-me em Sorocaba/SP, recebi  do amigo e parceiro de pesquisa Geraldo Bonadio  um convite singular – viajar à Fazenda Ipanema, sita no  município vizinho de Iperó, a fim de participar num Seminário de Turismo Rural. Sendo engenheiro agrônomo aposentado  há 23 anos , com atuação  na região de Sorocaba, tal convite para o que interpretei como “mais uma reunião técnica”, não me causou estranheza – vi possibilidades  interessantes. Achava-me com minha esposa em mais uma visita a familiares na tricentenária cidade.    E, por  saudosismo,  escolhera um mês coincidente com a 46ª. Semana do Tropeiro, tradição  que ajudara a  implantar, desde os idos de 1970, 43 anos atrás            .                                                                                                                          Geraldo chegou ao hotel e pegou-nos – a mim e a Ruth – no carro de um amigo. No caminho ficamos sabendo  que esse “amigo  motorista” era  nada menos que o presidente de uma associação de tropeiros com sede em Sorocaba. Eu já tinha notícia, por meio  de outro amigo – o  também pesquisador Adolfo Frioli – da expansão das criações de Muares nas áreas rurais periféricas e da formação de algumas  “associações tropeiras” em Sorocaba. Assim, minha curiosidade se aguçou.                                                                                                                               Chegados à histórica Fazenda Ipanema , tivemos  a grata surpresa de  sentir-nos dentro do acolhedor ambiente de um evento tropeiro, com caldeirões ao fogo preparando o “rancho” ao cuidado de mulheres tropeiras,, autoridades e tradicionalistas vindos  de Minas Gerais, do Paraná diversos pontos, de   São Paulo e, inclusive um simpático deputado  vindo de Piracicaba. Formado o palco, o jovem mestre de cerimônias, em nome da prefeitura de Iperó  -  onde se situa a Fazenda Ipanema - deixou clara a importância dada aos valores do  tropeirismo para um Turismo Rural gerador de emprego e renda. Depois de homenagear várias personalidades  por seus trabalhos atuais, o locutor  fez uma interrupção para  oferecer o microfone a alguém  da platéia. Imaginem  a minha surpresa  quando esse  alguém  - que se imaginava ali  um desconhecido para a maioria dos presentes – era precisamente este velho tropeiro.de 89 anos.            ..                                                                  Permita-me  pois  o Leitor que eu lhe afirme: considero meus referidos 89 anos – hoje 90 – não como  melancólica velhice, mas como promissora experiência. E dessa experiência permita-me  fazer um leitura audaciosa:                                                                                                                                  A rede imensa de caminhos trilhados em todo o país pelos tropeiros e suas alimárias são transbordamentos históricos  - de animais, de experiências da courama, de ideais de  liberdade  e de uma visão de  mundo que  alguém chamou Alma de Horizonte – elementos esses oriundos do Pampa sulino desde os primórdios coloniais. A esse processo civilizatório  de origem inequivocamente  pampiana,  ousamos hoje  chamar  de Grande Pampa  Cultural. É um Brasil-arquipélago de  regiões, cada uma com suas próprias culturas regionais locais diferenciadas, porém inegavelmente hibridas pelo viés colorido  pampiano da herança cultural tropeira no interior do Brasil. Tudo isso representa uma  a dádiva histórica -  o fato de  nós brasileiros sermos irmanados  por uma  multifacética tradição tropeira..E por isso nós,  os brasileiros que, sem ufanismos,  acreditamos na pátria e no povo,  podemos  eleger o Tropeiro como  nosso símbolo nacional  regenerador.

1.2. Como eu, gaúcho, virei Tropeiro
 Já residia na região há 12 anos e  há 6 anos morava com a família em Sorocaba. Era 1970 e  - por ocasião de  minha  primeira licença prêmio -  viajei ao Sul para assistir o Rodeio Crioulo de Vacaria. Na volta, pousei em São Paulo, na residência de meu saudoso  primo Barbosa Lessa. Confiei-lhe meu entusiasmo com o  que assistira   lá no Sul e daí manifestei  a intenção de  criar um movimento tradicionalista na região de Sorocaba. “Mas essa região já  tem uma tradição!” - ponderou-me o Lessa. E passou às minhas mãos  o Diário da Noite daquela capital, com  reportagem falando do padre   historiador do tropeirismo, Luis Castanho de  Almeida  e contendo a  foto de dois cavaleiros -  Joaquim Florêncio Leite e seu filho Dionisio. – tropeiros de mulas xucras nos séculos 19 e 20.   De posse dessa orientação e de volta a Sorocaba, visitei a estátua do Tropeiro e logo após fui recebido pelo  o  “ padre  Castanho” – um anjo de simplicidade e cordialidade, que  me presenteou com seu livro “ o Tropeirismo  e a Ferira de Sorocaba. Dias depois conheci a professora   Vera Ravagnani Job  e o folclorista Roque José de Almeida. Juntos, preparamos uma reunião no Museu Histórico e Pedagógico  de que Vera era a diretora. Em abril de 1970, juntaram-se ali 12 pessoas admiradoras do padre historiador –. O professor e musicista Nilson Lombardi informou já existir  uma lei municipal  de 1963, criando a comemoração anual da Semana do  Tropeiro. A lei fora fruto  da repercussão    de duas comemorações sucessivas, já empreendidas nos dois anos anteriores - 61 e 62 -  por iniciativa de Vera Job e Roque José de Almeida. Porém, desde a  promulgação  do decreto no Diário Oficial do município já haviam passado  7 anos sem que surgissem  mais iniciativas para promover a  comemoração . Por unanimidade, o grupo da   reunião resolveu comemorar  e  dar continuidade  já a partir do próximo mês de  maio de 1970. Foi assim que me pus em campo e passei a agir  como um  autêntico tropeiro na integração dos sorocabanos e da região  à tradição do tropeirismo, por quinze anos sucessivos, desfilando a cavalo, dando palestras nas escolas, escrevendo nos jornais, elaborando cartazes,  pôsteres, estatuetas, etc.
Por esse exemplo podes ver , amigo leitor, a diferença entre Tradição e Tradicionalismo. A tradição em si é o fato cultural – existe  no  seio do povo como brasa sob a cinza. O tradicionalismo para nós   consiste numa metamorfose interior que leva certas pessoas com senso de missão  a vestir a camisa  -    num fenômeno de  liderança -  e assoprar a brasa da Tradição no coração dos outros – tudo culturalmente, quase sempre pela simples promoção de  Simbolos representativos,  - atalhos emocionais, que despertam a memória atávica das raízes populares. Os tradicionalistas – tropeiros e tropeiras são os  agentes ou  atores culturais voluntários no re-despertar da Tradição  para a comunidade.


O   Movimento Tradicionalista Tropeiro – Iniciativas – no Brasil
  Com dados da  Internet, na virada de 2014/2015, buscamos inventariar -  num    histórico dos anos  de seu aparecimento – a relação  certamente incompleta mas assim mesmo esclarecedora,  das entidades e focos de promoção do Tropeirismo em estados do Brasil:
1963 -  SOROCABA, SP – é criada  a Semana do Tropeiro pelo decreto municipal  n. 1.151 do prefeito Artidoro Mascarenhas, projeto do vereador Helio Teixeira Callado,  a ser celebrada anualmente, na segunda quinzena de  maio.A Semana do Tropeiro já vai para o 48º. evento, em 2015. Sorocaba conta desde 1954 com um  símbolo pioneiro de potencial nacional  o bronze eqüestre  Estátua do Tropeiro.    A primeira comemoração em  sua homenagem  foi Iniciativa pioneira de Vera Ravagnani Job, inspirada em sugestão feita pelo poeta Paulo Bonfim, pela TV. Vera teve o auxilio do folclorista popular     Roque José de Almeida. Nos jornais, a cidade já contava  com os artigos de Aluisio  Almeida( o padre  historiador) e de seu fiel colaborador e seguidor  ,  Porfirio Rogich Vieira.
     A partir  de 1970, portanto, 7 anos depois da lei Municipal já citada, ressurge a auto-denominada 3ª. Semana do Tropeiro, desta vez   com o aporte tradicionalista de Mário Mattos, seguido  por Vera e  Roque mais o talentoso  Benedito Cleto e o jovem  Helio Rosa Baldy Filho e apoio dos jornais locais.O Conselho Estadual de Cultura faz-se presente com Barbosa Lessa, Alceu Maynard de Araujo e outros apoiadores. De 1970 até 1985 a “Semana” contou com apoio e patrocinio dos Prefeitos municipais sucessivos. Os Desfiles chegaram a contar com até 2.500 cavaleiros. Ao meio dia os cavaleiros tinham o  saboroso churrasco oferecido pela prefeitura. À tarde, participavam das provas de agilidade nas 5 balisas em duplas,  Festas folclóricas e inclusive uma Sinfonia Tropeira. Por Três  vezes, até 1987,  Sorocaba recebeu luzidas comitivas  gaúchas enviadas pelo   MTG – trovadores, pares de danças, músicos  e cantores dos mais famosos do Rio Grande, executando Canto Alegretense, Tangos e Tragédias, etc. .
1977 CASTRO, PRÉ inaugurado no antigo Pouso do Iavô,  o Museu do Tropeiro. Criado  em  76 pela idealizadora, professora Judith Carneiro de Mello, com apoio do prefeito Lauro Lopes. Reuniu nos primeiros anos  cerca de  400 peças típicas – atualmente com mais de 800 peças..Promove mostras itinerantes.
1989 LAPA PRÉ efetuado pelo projeto do IPHAN “ Caminho das Tropas”, o Tombamento do Centro Histórico da cidade , pela preservação do maior conjunto arquitetônico  do Estado do Paraná  - memória viva do Tropeirismo  e  tradição cultuada na rede escolar do  município, portador de rico acervo de costumes tradicionais tropeiros. Registro impresso no livro “A Lapa e o Tropeirismo” de Márcia Scholz Andrade Kersten , Iphan, Curitiba 2006.
1990 – BOM JESUS, RS -  Realiza-se o 1º. Seminário Nacional do Tropeirismo – SENATRO -  evento bianual da Prefeitura de Bom Jesus, , tornado  internacional desde 2000. Em abril/maio de 2014 participamos da sua  12ª versão. O SENATRO tem o  mérito da   publicação regular de Anais. Coordenação pioneira de  professoras da sec. de Cultura do município, Lucila Maria Sgarbi Santos, Marilene Fávero Torres, Elusa Maria Silveira Rodrigues, Jussara Lisboa Madeira e Vera Lucia Maciel Barroso .Por ocasião do evento executa-se original  Missa Tropeira e Passeios históricos.
2002 – ITU, SP –  A revista Campo e Cidade é declarada de Utilidade Pública, por Lei Municipal  n.228/02 – produzindo matérias de divulgação do  tropeirismo e da criação de muares. A edição de maio junho de 2007 tem  ampla  cobertura  histórica e de atualização do tema, com farta ilustração fotográfica  a cores, tiragem de 6.000 exemplares. ,  Nas  pags. 8 e 14 da referida  edição, figuram 2 desenhos deste  Autor, reproduzidos dos Cadernos do Tropeirismo,, da Academia Sorocabana de Letras,.
2006 ITABIRA, MGInaugura-se  o Museu do Tropeiro, diretora prof. Eleni,  na localidade de Pedro Leopoldo, distrito de Ipoema. O  Centro de  Tradições no distrito de Senhora  do Carmo, promoveu em 2014 o 1º.Encontro de Cavaleiros. Apoio da Prefeitura Municipal de Itabira.                                                                                                                                         Encontramos ainda registros de  tropeirismo em Goiás, Mato Grosso , Bahia e Paraíba. No nordeste, o tropeiro de tropa arreada é conhecido como  “almocreve “e a tropa  de mulas como “comboio”.
           A lista acima, mesmo incompleta, nos permite  avançar  duas observações:                                                                                                                                            1) Ha  de fato um movimento Tropeiro em marcha no território nacional . Isso confirma nossa tese de que os caminhos sulcados pelos 2 séculos de   tropeirismo abrangem um Grande Pampa Cultural, de dimensões multi-estaduais,  - fato esse  que também se reflete historicamente  nos  livros de contos  regionais dos séculos 19 e 20 –Valdomiro Silveira  SP, Hugo Carvalho Ramos GO, João  Simões Lopes Neto RS, Tito Carvalho SC, Frederico Lane  MS, Afonso Arinos , MG., etc.-  todos trazendo no  final do texto, glossário explicando os termos gauchescos empregados pelos personagens.                                                                                                                                                                                  2) A primeira manifestação moderna de  culto ao tropeiro ocorreu em 1954 com a  instalação da estátua em bronze  do Monumento ao Tropeiro, em Sorocaba, SP. Foi uma homenagem  ao   terceiro centenário da cidade que, além de ser uma das mais antigas do Brasil – fundada em 1654 -  foi palco por 150 anos, das famosas Feiras de Muares – 1750 / 1900. Homenageava-se também o maior historiador , então ainda vivo do tropeirismo – Aluisio Almeida, o padre Castanho. Graças a ele e  sua vasta obra, Sorocaba  passou a contar   com uma das mais belas e expressivas estátuas do país - o monumento ao campeador Tropeiro, um símbolo arquetípico  para todo o Brasil.                                                                                                                                             3) Ainda está por fazer-se             uma articulação democrática de todos os  focos direta ou indiretamente tropeiristas  nos  Estados. Num olhar brasileiro para os aspetos diferenciados no Grande Pampa Cultural – suas belezas naturais específicas, suas comunidades  interioranas personalizadas, suas histórias originais, suas criações culturais e artísticas próprias, vemos que a imagem campeira do  Tropeiro  brilha como  um Sol comum integrador sobre  nosso mosaico de  culturas locais. Essa identidade cultural hibrida  e diferenciada,  toda ela de raiz nativista e bem brasileira, possibilita a cada um de nós brasileiro ou brasileira decidir tornar-se  um Tropeiro  com o ideal do  Bem geral do Brasil. É isso aí, pessoal – viva a união de todos os tropeiros e suas entidades locais em  torno   do movimento ecumênico potencialmente redentor do Brasil - o MBTT -  Movimento Brasileiro de Tradições  Tropeiras!..




            .                                                                                                                                                                                                                       1.4. O MBTT  informal  - Iniciativas práticas  No encontro interestadual  que  presenciamos em maio de 2013 em Iperó, -  percebi que o movimento já  coordena-se informalmente em torno de  objetivos  práticos-patrióticos – no caso citado, unindo  os valores cívicos e culturais do  tropeirismo  com o mercado crescente do Turismo Rural -  para oferecer alternativas de  renda com cultura histórica aos proprietários rurais;  e  de emprego, com cultura e civismo, aos jovens do interior. Pode-se prever que outras fecundas iniciativas vão surgir.                                                                                                        No decorrer  do  presente  Manual, são  apresentados alguns exemplos e sugestões, ou “dicas”,  visando  contribuir para o êxito  dessa e outras eventuais iniciativas.



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