Tradicionalismo
tropeiro no Brasil ?
Em maio de 2013, achando-me
em Sorocaba/SP, recebi do amigo e
parceiro de pesquisa Geraldo Bonadio um
convite singular – viajar à Fazenda Ipanema, sita no município vizinho de Iperó, a fim de
participar num Seminário de Turismo Rural. Sendo engenheiro agrônomo
aposentado há 23 anos , com atuação na região de Sorocaba, tal convite para o que
interpretei como “mais uma reunião técnica”, não me causou estranheza – vi
possibilidades interessantes. Achava-me
com minha esposa em mais uma visita a familiares na tricentenária cidade. E, por
saudosismo, escolhera um mês
coincidente com a 46ª. Semana do Tropeiro, tradição que ajudara a
implantar, desde os idos de 1970, 43 anos atrás .
Geraldo
chegou ao hotel e pegou-nos – a mim e a Ruth – no carro de um amigo. No caminho
ficamos sabendo que esse “amigo motorista” era nada menos que o presidente de uma associação
de tropeiros com sede em Sorocaba. Eu já tinha notícia, por meio de outro amigo – o também pesquisador Adolfo Frioli – da
expansão das criações de Muares nas áreas rurais periféricas e da formação de
algumas “associações tropeiras” em
Sorocaba. Assim, minha curiosidade se aguçou.
Chegados
à histórica Fazenda Ipanema , tivemos a
grata surpresa de sentir-nos dentro do
acolhedor ambiente de um evento tropeiro, com caldeirões ao fogo preparando o
“rancho” ao cuidado de mulheres tropeiras,, autoridades e tradicionalistas
vindos de Minas Gerais, do Paraná
diversos pontos, de São Paulo e,
inclusive um simpático deputado vindo de
Piracicaba. Formado o palco, o jovem mestre de cerimônias, em nome da
prefeitura de Iperó - onde se situa a Fazenda Ipanema - deixou
clara a importância dada aos valores do
tropeirismo para um Turismo Rural gerador de emprego e renda. Depois de
homenagear várias personalidades por
seus trabalhos atuais, o locutor fez uma
interrupção para oferecer o microfone a
alguém da platéia. Imaginem a minha surpresa quando esse
alguém - que se imaginava
ali um desconhecido para a maioria dos
presentes – era precisamente este velho tropeiro.de 89 anos. ..
Permita-me pois o Leitor que eu lhe afirme: considero meus
referidos 89 anos – hoje 90 – não como
melancólica velhice, mas como
promissora experiência. E dessa experiência permita-me fazer um leitura audaciosa: A rede imensa de caminhos trilhados em todo
o país pelos tropeiros e suas alimárias são transbordamentos históricos - de animais, de experiências da courama, de
ideais de liberdade e de uma visão de mundo que
alguém chamou Alma de Horizonte – elementos esses oriundos do Pampa
sulino desde os primórdios coloniais. A esse processo civilizatório de origem inequivocamente pampiana,
ousamos hoje chamar de Grande Pampa Cultural. É um Brasil-arquipélago de regiões, cada uma com suas próprias culturas
regionais locais diferenciadas, porém inegavelmente hibridas pelo viés
colorido pampiano da herança cultural
tropeira no interior do Brasil. Tudo isso representa uma a dádiva histórica - o fato de
nós brasileiros sermos irmanados
por uma multifacética tradição
tropeira..E por isso nós, os brasileiros
que, sem ufanismos, acreditamos na
pátria e no povo, podemos eleger o Tropeiro como nosso símbolo nacional regenerador.
1.2. Como eu, gaúcho, virei
Tropeiro
Já residia na região há 12
anos e há 6 anos morava com a família em
Sorocaba. Era 1970 e - por ocasião
de minha
primeira licença prêmio - viajei
ao Sul para assistir o Rodeio Crioulo de Vacaria. Na volta, pousei em São
Paulo, na residência de meu saudoso
primo Barbosa Lessa. Confiei-lhe meu entusiasmo com o que assistira lá no Sul e daí manifestei a intenção de
criar um movimento tradicionalista
na região de Sorocaba. “Mas essa região já
tem uma tradição!” - ponderou-me o Lessa. E passou às minhas mãos o Diário da Noite daquela capital, com reportagem falando do padre historiador do tropeirismo, Luis Castanho
de Almeida e contendo a
foto de dois cavaleiros - Joaquim
Florêncio Leite e seu filho Dionisio. – tropeiros de mulas xucras nos séculos
19 e 20. De posse dessa orientação e de
volta a Sorocaba, visitei a estátua do Tropeiro e logo após fui recebido pelo o “ padre Castanho” – um anjo de simplicidade e
cordialidade, que me presenteou com seu
livro “ o Tropeirismo e a Ferira de
Sorocaba. Dias depois conheci a professora
Vera Ravagnani Job e o
folclorista Roque José de Almeida. Juntos, preparamos uma reunião no Museu
Histórico e Pedagógico de que Vera era a
diretora. Em abril de 1970, juntaram-se ali 12 pessoas admiradoras do padre
historiador –. O professor e musicista Nilson Lombardi informou já existir uma lei municipal de 1963, criando a comemoração anual da
Semana do Tropeiro. A lei fora fruto da repercussão de duas comemorações sucessivas, já
empreendidas nos dois anos anteriores - 61 e 62 - por iniciativa de Vera Job e Roque José de
Almeida. Porém, desde a promulgação do decreto no Diário Oficial do município já
haviam passado 7 anos sem que
surgissem mais iniciativas para promover
a comemoração . Por unanimidade, o grupo
da reunião resolveu comemorar e dar
continuidade já a partir do próximo mês
de maio de 1970. Foi assim que me pus em
campo e passei a agir como um autêntico tropeiro na integração dos
sorocabanos e da região à tradição do
tropeirismo, por quinze anos sucessivos, desfilando a cavalo, dando palestras
nas escolas, escrevendo nos jornais, elaborando cartazes, pôsteres, estatuetas, etc.
Por esse exemplo podes ver ,
amigo leitor, a diferença entre Tradição e Tradicionalismo. A tradição em si é
o fato cultural – existe no seio do povo como brasa sob a cinza. O tradicionalismo
para nós consiste numa metamorfose
interior que leva certas pessoas com senso de missão a vestir a camisa - num
fenômeno de liderança - e assoprar a brasa da Tradição no coração dos
outros – tudo culturalmente, quase sempre pela simples promoção de Simbolos representativos, - atalhos emocionais, que despertam a memória
atávica das raízes populares. Os tradicionalistas – tropeiros e tropeiras são
os agentes ou atores culturais voluntários no re-despertar
da Tradição para a comunidade.
O Movimento Tradicionalista Tropeiro –
Iniciativas – no Brasil
Com dados da
Internet, na virada de 2014/2015, buscamos inventariar - num histórico
dos anos de seu aparecimento – a
relação certamente incompleta mas assim
mesmo esclarecedora, das entidades e
focos de promoção do Tropeirismo em estados do Brasil:
1963
- SOROCABA, SP – é criada a Semana do Tropeiro pelo decreto
municipal n. 1.151 do prefeito Artidoro
Mascarenhas, projeto do vereador Helio Teixeira Callado, a ser celebrada anualmente, na segunda
quinzena de maio.A Semana do Tropeiro já
vai para o 48º. evento, em 2015. Sorocaba conta desde 1954 com um símbolo pioneiro de potencial nacional o bronze eqüestre Estátua do Tropeiro. A
primeira comemoração em sua homenagem foi Iniciativa pioneira de Vera Ravagnani Job,
inspirada em sugestão feita pelo poeta Paulo Bonfim, pela TV. Vera teve o
auxilio do folclorista popular Roque José de Almeida. Nos jornais, a cidade
já contava com os artigos de
Aluisio Almeida( o padre historiador) e de seu fiel colaborador e
seguidor , Porfirio Rogich Vieira.
A partir
de 1970, portanto, 7 anos depois da lei Municipal já citada, ressurge a
auto-denominada 3ª. Semana do Tropeiro, desta vez com o
aporte tradicionalista de Mário Mattos, seguido
por Vera e Roque mais o
talentoso Benedito Cleto e o jovem Helio Rosa Baldy Filho e apoio dos jornais
locais.O Conselho Estadual de Cultura faz-se presente com Barbosa Lessa, Alceu
Maynard de Araujo e outros apoiadores. De 1970 até 1985 a “Semana” contou com
apoio e patrocinio dos Prefeitos municipais sucessivos. Os Desfiles chegaram a
contar com até 2.500 cavaleiros. Ao meio dia os cavaleiros tinham o saboroso churrasco oferecido pela prefeitura.
À tarde, participavam das provas de agilidade nas 5 balisas em duplas, Festas folclóricas e inclusive uma Sinfonia
Tropeira. Por Três vezes, até 1987, Sorocaba recebeu luzidas comitivas gaúchas
enviadas pelo MTG –
trovadores, pares de danças, músicos e cantores dos mais famosos do Rio Grande,
executando Canto Alegretense, Tangos e
Tragédias, etc. .
1977
CASTRO, PR – É inaugurado no antigo
Pouso do Iavô, o Museu do Tropeiro.
Criado em 76 pela idealizadora, professora Judith
Carneiro de Mello, com apoio do prefeito Lauro Lopes. Reuniu nos primeiros
anos cerca de 400 peças típicas – atualmente com mais de
800 peças..Promove mostras itinerantes.
1989
LAPA PR – É efetuado pelo projeto do
IPHAN “ Caminho das Tropas”, o Tombamento do Centro Histórico da cidade , pela
preservação do maior conjunto arquitetônico
do Estado do Paraná - memória
viva do Tropeirismo e tradição cultuada na rede escolar do município, portador de rico acervo de
costumes tradicionais tropeiros. Registro impresso no livro “A Lapa e o
Tropeirismo” de Márcia Scholz Andrade Kersten , Iphan, Curitiba 2006.
1990
– BOM JESUS, RS - Realiza-se o 1º. Seminário Nacional do
Tropeirismo – SENATRO - evento bianual
da Prefeitura de Bom Jesus, , tornado
internacional desde 2000. Em abril/maio de 2014 participamos da sua 12ª versão. O SENATRO tem o mérito da publicação regular de Anais. Coordenação pioneira de professoras da sec. de Cultura do município,
Lucila Maria Sgarbi Santos, Marilene Fávero Torres, Elusa Maria Silveira
Rodrigues, Jussara Lisboa Madeira e Vera Lucia Maciel Barroso .Por ocasião do
evento executa-se original Missa Tropeira
e Passeios históricos.
2002
– ITU, SP – A revista Campo e Cidade é
declarada de Utilidade Pública, por Lei Municipal n.228/02 – produzindo matérias de divulgação
do tropeirismo e da criação de muares. A
edição de maio junho de 2007 tem
ampla cobertura histórica e de atualização do tema, com farta
ilustração fotográfica a cores, tiragem
de 6.000 exemplares. , Nas pags. 8 e 14 da referida edição, figuram 2 desenhos deste Autor, reproduzidos dos Cadernos do
Tropeirismo,, da Academia Sorocabana de Letras,.
2006
ITABIRA, MG – Inaugura-se o Museu do Tropeiro, diretora prof. Eleni, na localidade de Pedro Leopoldo, distrito de
Ipoema. O Centro de Tradições no distrito de Senhora do Carmo, promoveu em 2014 o 1º.Encontro de
Cavaleiros. Apoio da Prefeitura Municipal de Itabira.
Encontramos
ainda registros de tropeirismo em Goiás,
Mato Grosso , Bahia e Paraíba. No nordeste, o tropeiro de tropa arreada é
conhecido como “almocreve “e a tropa de
mulas como “comboio”.
A lista acima, mesmo incompleta, nos
permite avançar duas observações:
1)
Ha de fato um movimento Tropeiro em
marcha no território nacional . Isso confirma nossa tese de que os caminhos
sulcados pelos 2 séculos de tropeirismo abrangem um Grande Pampa Cultural, de dimensões multi-estaduais, - fato esse
que também se reflete historicamente
nos livros de contos regionais dos séculos 19 e 20 –Valdomiro
Silveira SP, Hugo Carvalho Ramos GO,
João Simões Lopes Neto RS, Tito Carvalho
SC, Frederico Lane MS, Afonso Arinos ,
MG., etc.- todos trazendo no final do texto, glossário explicando os
termos gauchescos empregados pelos personagens.
2)
A primeira manifestação moderna de culto
ao tropeiro ocorreu em 1954 com a
instalação da estátua em bronze
do Monumento ao Tropeiro, em
Sorocaba, SP. Foi uma homenagem ao terceiro centenário da cidade que, além de
ser uma das mais antigas do Brasil – fundada em 1654 - foi palco por 150 anos, das famosas Feiras de
Muares – 1750 / 1900. Homenageava-se também o maior historiador , então ainda
vivo do tropeirismo – Aluisio Almeida, o padre Castanho. Graças a ele e sua vasta obra, Sorocaba passou a contar com uma das mais belas e expressivas estátuas
do país - o monumento ao campeador Tropeiro, um símbolo arquetípico para todo o Brasil. 3) Ainda
está por fazer-se uma
articulação democrática de todos os
focos direta ou indiretamente tropeiristas nos
Estados. Num olhar brasileiro para os aspetos diferenciados no Grande
Pampa Cultural – suas belezas naturais específicas, suas comunidades interioranas personalizadas, suas histórias
originais, suas criações culturais e artísticas próprias, vemos que a imagem
campeira do Tropeiro brilha como
um Sol comum integrador sobre
nosso mosaico de culturas locais.
Essa identidade cultural hibrida e
diferenciada, toda ela de raiz nativista
e bem brasileira, possibilita a cada um de nós brasileiro ou brasileira decidir
tornar-se um Tropeiro com o ideal do Bem geral do Brasil. É isso aí, pessoal –
viva a união de todos os tropeiros e suas entidades locais em torno
do movimento ecumênico potencialmente redentor do Brasil - o MBTT - Movimento Brasileiro de Tradições Tropeiras!..
.
1.4. O MBTT informal - Iniciativas práticas No encontro interestadual que
presenciamos em maio de 2013 em Iperó, -
percebi que o movimento já
coordena-se informalmente em torno de objetivos práticos-patrióticos – no caso citado, unindo os valores cívicos e culturais do tropeirismo
com o mercado crescente do Turismo Rural - para oferecer alternativas de renda com cultura histórica aos proprietários
rurais; e de emprego, com cultura e civismo, aos jovens
do interior. Pode-se prever que outras fecundas iniciativas vão surgir. No
decorrer do presente
Manual, são apresentados alguns
exemplos e sugestões, ou “dicas”, visando
contribuir para o êxito dessa e
outras eventuais iniciativas.
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